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‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos

Conecta Piauí ouviu alguns relatos, os delegados do caso e uma socióloga que analisa o feminicídio

“Não atira em mim”, segundo testemunhas, pediu Sarah Denise Alves dos Santos, de apenas 17 anos, antes de ser assassinada com um tiro nas costas pelo ex-companheiro, Fábio Rodrigues Braga, de 35 anos, no dia 13 de julho, na localidade Lages, zona rural do município de Beneditinos (PI), a 91 km de Teresina.

O feminicídio ocorreu em um bar próximo de onde acontecia um jogo de futebol e chocou a cidade. O Conecta Piauí teve acesso a relatos de testemunhas, ouviu os delegados Odilo Sena e Paulo Roberto, responsáveis pelo caso, e conversou com uma socióloga especialista em violência de gênero, Marcela Castro. 

Foto: Reprodução‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos
‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos

Como aconteceu o crime?

Segundo testemunhas, Fábio estava sendo mesário da partida de futebol e, durante todo o evento, não tirava os olhos de Sarah, que acompanhava o jogo com amigos. Após o término da partida, ele se aproximou da mesa onde ela estava, cumprimentou a todos, inclusive a jovem, com um aperto de mão, jogou uma partida de sinuca e foi embora. Após a sua saída, segundo relatos, a vítima disse: “Fábio está se fazendo de doido, ele já falou comigo hoje, ele passou na casa da minha avó!”.

Minutos depois o autor do crime retornou ao local e sentou-se em uma mesa de frente para o grupo, mantendo o olhar fixo em Sarah e sorrindo de forma insistente.

Em determinado momento, a adolescente foi ao banheiro acompanhada de dois amigos. Uma amiga entrou no banheiro e ela ficou conversando com um outro amigo. Fábio se aproximou e pediu que um deles se retirasse. Quando a amiga saiu do banheiro, viu que ela estava com Fábio e foi até o grupo, onde o outro amigo estava, e questionou o que tinha acontecido. A pessoa respondeu que Fábio tinha chegado e pedido para ele se retirar.

Foto: Reprodução‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos
‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos

Então, sua amiga saiu correndo em direção ao banheiro e, ao chegar no local, se deparou com Sarah e Fábio, este tentando abraçá-la e beijá-la à força. Ela se esquivava e disse que não queria mais nada. Segundo testemunhas, ela chegou a dizer que “no máximo, poderia haver um abraço de amizade, por respeito às famílias”.

Foi então que ele mandou a amiga da vítima virar de costas. Sarah pediu que ela não virasse, momento em que Fábio sacou a arma e tentou atirar duas vezes, mas a arma falhou. Segundo testemunhas, Sarah então suplicou: “não atira em mim!”

O disparo fatal

Após o episódio no banheiro, voltaram para a mesa e contaram ao grupo o que havia acontecido. O grupo decidiu ir embora, mas resolveu terminar a bebida que estavam consumindo. Eles ficaram observando Fábio, mas ele deu a volta e o perderam de vista. Em seguida, ouviram o tiro e viram que Sarah colocou a mão no peito e ainda olhou para o local por onde a bala saiu.

A bala transfixou o tórax da jovem e ainda atingiu a perna de um dos amigos. Ela morreu no local. O rapaz baleado sobreviveu.

Foto: Reprodução‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos
‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos

“Fiz besteira”: fuga, tentativa de suicídio e prisão

Logo após o crime, Fábio foi contido e desarmado por populares. Pessoas no local tentaram linchá-lo, mas ele conseguiu escapar. Em casa, segundo testemunhas, ele confessou à família que havia “feito uma besteira” e chegou a pedir que alguém o matasse.

Minutos depois, tentou tirar a própria vida por enforcamento. Foi encontrado desmaiado, pendurado por uma corda, e socorrido. Está internado em estado grave na UTI do Hospital Natan Portella, em Teresina, com 50% do cérebro comprometido. A Justiça decretou sua prisão preventiva.

A arma pertencia ao irmão, policial militar

A arma usada no crime pertence ao irmão de Fábio, que é sargento da Polícia Militar do Piauí. No dia do crime, a família realizava uma “farinhada” na casa dos pais. O irmão do autor, após o banho, deixou a arma no quarto e foi socializar com os demais. Nesse intervalo, Fábio entrou no cômodo e pegou a arma.

Uma tia chegou a questioná-lo sobre o que fazia com o revólver, e ele respondeu que estava apenas conferindo se o armamento estava em local seguro, longe de crianças.

Foto: Reprodução‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos
‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos

Crime foi premeditado

O Conecta Piauí conversou com o delegado de plantão na Central de Flagrantes, Odilo Sena, que colheu os primeiros depoimentos. “É confirmado, as testemunhas me falaram, inclusive está nos depoimentos, que ele pegou uma arma do irmão, subtraiu a arma do irmão de maneira não autorizada e procurava com ela nesse dia. A razão do fato, segundo testemunhas, é que ela tinha terminado o relacionamento”, afirmou.

O delegado Paulo Roberto, que conduziu o inquérito, indiciou Fábio por feminicídio e lesão corporal grave. O caso foi encaminhado ao Ministério Público.

Socióloga aponta machismo estrutural e cultura de posse

Para a socióloga Marcela Castro, pesquisadora da área de violência contra a mulher e integrante da Rede de Observatórios da Segurança Pública, o feminicídio de Sarah Denise representa um retrato claro da misoginia estrutural presente na sociedade brasileira.

“Esse caso demonstra a precocidade dos crimes de feminicídio, que infelizmente têm sido muito presentes na sociedade. O cenário demonstra o quanto as mulheres são vulneráveis, seja nos espaços privados quanto nos públicos, e que a violência perpetrada pelo agressor tem ‘um motivo’, ‘uma razão’, como se tais justificativas fossem aceitáveis para a agressão e/ou prática do feminicídio”, avaliou a socióloga, ao destacar o contexto social e simbólico em que esses crimes continuam acontecendo.

Foto: Reprodução‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos
‘Não atira em mim’, disse jovem de 17 anos antes de morrer em Beneditinos

Ao comentar sobre o perfil recorrente dos agressores e os padrões de comportamento que se repetem nos feminicídios, Marcela aponta a ligação direta entre o machismo, a cultura de posse e a masculinidade tóxica:

“Essa prática é muito comum nos casos de feminicídio íntimo, em que as violências estão atreladas à ideia de posse, dominação e objetificação dos corpos e das vidas das mulheres, ideias historicamente naturalizadas na sociedade e alimentadas pela cultura patriarcal. Isso gera certos tipos de masculinidades que podemos chamar de tóxicas, em que o agressor não aceita ser contrariado, não aceita o término da relação porque se julga no comando”, explicou.

Por fim, a especialista reforça o quanto o silêncio das vítimas muitas vezes é resultado de uma série de fatores que dificultam a ruptura com relações abusivas:

“O silenciamento é muito comum na vida das mulheres em situação de violência, porque é muito difícil romper o ciclo de um relacionamento abusivo. Muitas vezes, ela nem percebe que está inserida nesse ciclo, já que os tipos de violência são diversos. Em muitos casos, é a violência física que desperta a consciência da vítima. Há casos em que o silenciamento funciona como estratégia de sobrevivência, pois envolve várias questões: o medo, a falta de apoio familiar e/ou estatal, a dependência econômica e até a esperança de mudança por parte do agressor. É importante frisar que nenhum feminicídio surge do nada, quando ele acontece, outras formas de violência já estiveram presentes na vida dessa mulher”, finalizou.

Feminicídio em alta no Piauí

Dados do Mapa da Segurança Pública de 2025, divulgado pelo Ministério da Justiça, revelam que o Piauí teve o maior aumento proporcional de feminicídios no Brasil entre 2023 e 2024: um crescimento de 42,86%.

Em 2023, foram registrados 28 casos;

Em 2024, o número saltou para 40.

Teresina, a capital, aparece em 4º lugar entre as capitais com mais feminicídios no país, com 12 vítimas neste ano, atrás apenas de Rio de Janeiro (51), São Paulo (51) e Manaus (16).

Se você ou alguém que conhece está sofrendo violência doméstica, não se cale. Denuncie. O silêncio pode custar uma vida.

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