Um a cada três detentos levados a Audiência de Custódia continua preso em Teresina
O Conecta Piauí entrou em contato com a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do PiauíKellvin Peterson, de 30 anos de idade, foi preso em flagrante, semana passada, sob acusação de tráfico de drogas, durante operação do Denarc, que é o Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico do Piauí. Junto com o acusado, foram apreendidos entorpecentes, dinheiro em espécie, balança de precisão e um simulacro de arma de fogo. Entretanto, ele não passou 24h detido. Sendo solto no dia seguinte, após passar por audiência de custódia.
Na decisão de soltura, assinada pelo juiz Caio Cezar, da Central de Audiência de Custódia de Teresina, foi homologado o flagrante do acusado. Porém, o magistrado considerou que ele não tem passagem pela polícia e, assim, não oferece risco à garantia da ordem pública. Com isso, foi concedido liberdade mediante cumprimento de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de frequentar bares, casas noturnas e eventos similares.
"Os elementos presentes nos autos indicam a prática de tráfico ilícito de entorpecentes pelo autuado. No entanto, suas condições pessoais são favoráveis, uma vez que ele é tecnicamente primário e não há indícios de que, solto, volte a cometer crimes. Durante a abordagem policial, ele não resistiu, foi cooperativo e inclusive indicou onde estavam os entorpecentes", pontuou o magistrado em sua decisão.

Embora tenha sido solto, a prisão em flagrante de Kellvin foi embasada em elementos concretos, tendo como base denúncias anônimas. “Recebemos informações de que ele se apresentava como policial federal para vender drogas. Ele tinha uma arma em sua residência e amedrontava os moradores do condomínio onde mora”, informou o delegado Jarbas Lima, do Denarc, acrescentando que a prisão ocorreu no bairro Morada dos Sol, zona leste.
O caso de Kellvin só reflete uma preocupação da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, que foi pontuada, inclusive, no início do mês, pelo gestor da pasta, Chico Lucas. Ele pontuou a soltura dos acusados de promover uma verdadeira chacina e briga de facções rivais na região da Santas Maria da Codipi, na Zona Norte da capital, dois dias após terem sido capturados pelo Draco, após audiência de custódia. E os números refletem isso.
Desde que foi implantada no Piauí, em novembro de 2015, quase 29,5 mil audiências de custódias já foram realizadas em todo o judiciário do Estado. Nelas, pouco mais de 12,5 mil dos presos conseguiram a liberdade, isso equivale a 42,6% do total de presos. Em Teresina, o índice de soltura é ainda maior, somente um a cada três detidos levados a audiência permanece preso. A maioria é posto em liberdade com medidas cautelares.

Só até setembro desde ano, um total de 1455 pessoas foram presas, em flagrante ou mandado de prisão, e levadas a audiência de custódia em Teresina. Desse total, apenas 579, ou 37% delas, tiveram suas prisões convertidas em preventivas, permanecendo, então, presas. O restante recebeu medidas cautelares, como prisão domiciliar ou tornozeleira eletrônica, por exemplo; liberdade provisória plena e até relaxamento da prisão.
Apesar de ser visto como “assustador” para a população, tendo em vista que o preso é colocado em liberdade 24h após ser capturado pela polícia, esses números refletem maior justiça promovida a pessoa presa. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as audiências de custódia consistem na rápida apresentação da pessoa que foi presa a um juiz, em uma audiência onde também são ouvidos Ministério Público, Defensoria Pública ou advogado do preso.
Criado há quase uma década, são mais de 1,1 milhão de audiências realizadas, permitindo maior atenção do Judiciário à porta de entrada do sistema penal. Além disso, o instituto garante encaminhamento para serviços de proteção social – mais de 47,7 mil desde 2015 – e apuração de eventuais casos de tortura ou de maus-tratos no ato da prisão, com mais de 83,7 mil registros.
Dados do Executivo Federal indicam que, desde o início da operação das audiências de custódia, houve redução do percentual de prisões provisórias no país – de 40,13% do total em 2014 para 26,48% em 2022. O juiz analisa a prisão sob o aspecto da legalidade e a regularidade do flagrante, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão, de se aplicar alguma medida cautelar e qual seria cabível.
A análise avalia, ainda, eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, A implementação das audiências de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais de direitos humanos internalizados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Além disso, a realização das audiências de custódia foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar. Em Teresina, somente este ano, 55 dos 1.465 presos alegaram suposta tortura.
O Conecta Piauí entrou em contato com a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Piauí para comentar mais sobre esses números da Central de Flagrantes. Porém, não obtivemos retorno. Atualmente, 23 estados têm Serviços de Atendimento à Pessoa Custodiada (APECs) no modelo fomentado pelo CNJ. Eles podem ocorrer no formato de atendimento anterior e posterior à realização da audiência de custódia, ou ainda em apenas um dos formatos.