Dossiê dos 150 dias: o que Silvio Mendes (não) fez por Teresina até agora?
Panorama geral dos 150 dias de gestão, promessas de campanha, expectativa X realidadeEm 06 de outubro de 2024, Teresina decidiu dar um voto de confiança a um velho conhecido da política piauiense: Silvio Mendes, eleito no primeiro turno, com 52,19% dos votos válidos, o equivalente a 239.848 eleitores que, embalados por promessas de um “choque de gestão”, apostaram na experiência como antídoto para os problemas da capital. A posse veio em 1º de janeiro de 2025 e, com ela, a esperança de dias melhores.

Passados os 150 primeiros dias de governo, o cenário é outro: ao invés de soluções, a população tem convivido com o improviso, a desorganização e, em alguns casos, o completo abandono. A cidade virou um laboratório do que não fazer em administração pública, com direito a lixo acumulado, transporte em colapso, saúde em crise, promessas emperradas e uma gestão que parece estar mais perdida do que passageiro esperando ônibus em parada desativada.

Segundo o cientista político Humberto Dantas, coordenador do Master em Liderança Pública do CLP, os 100 primeiros dias são o “cartão de visitas” de um prefeito.
Um momento de organizar a casa e apresentar metas claras. Mas em Teresina, o cartão chegou atrasado, rabiscado e sem assinatura. Silvio prometeu um plano de governo robusto, com ações em saúde, transporte, mobilidade urbana e infraestrutura.

As promessas de Silvio Mendes:
Saúde:
- Ampliar o Hospital de Urgência de Teresina (HUT);
- Tornar a cidade modelo no combate à catarata, câncer de colo do úzero e câncer de mama.
Infraestrutura e Transporte Público:
- Atualização do Sistema Viário;
- Adequação do transporte às necessidades da população.
Mobilidade Urbana:
- Construção de pontes sobre o Rio Poty;
- Prolongamentos das avenidas dos Ipês e Padre Humberto (Cajuína).
Confira o plano de gestão clicando aqui.
O que vem ocorrendo até o momento:
Lixo, desorganização e críticas
Bairros inteiros, de norte a sul, têm convivido com a montanha de resíduos que se acumula nas calçadas e nos canteiros. A coleta irregular se tornou um novo “calendário lunar”, onde o cidadão precisa adivinhar em qual dia a limpeza urbana decidirá aparecer.

Se alguém quiser entender o nível de desorganização da gestão atual, basta dar um passeio pelo Mercado Central ou pelo Mercado do Matadouro. Ali, entre bancas enferrujadas, esgoto aparente e ausência de segurança.
Promessas de reestruturação? Várias, mas sem êxito. E não é por falta de orçamento, mas talvez por falta de prioridade ou, como dizem nos corredores da Prefeitura, por “questões contratuais”. O que se sabe é que houve rompimento e renovação de contratos sem transparência, inclusive com empresas de limpeza urbana que, curiosamente, continuam não prestando o serviço adequadamente mesmo com valores reajustados.

Enquanto os teresinenses se esforçam para driblar buracos, lixo e mato alto, vereadores começam a elevar o tom contra a inércia da Prefeitura. No dia 12 de maio,o vereador Draga Alana foi direto em sua fala recente na Câmara:
“Teresina está suja, pessoal. Se anda pelas ruas, é matagal, coleta de lixo não tá tendo. Vários bairros que a gente percorre em Teresina estão nessa situação. Já estamos chegando no fim do quinto mês de gestão e ainda não vimos resultados. Não adianta só jogar a culpa nas gestões passadas. A população nos elegeu para cobrar e é isso que estou fazendo aqui”, disse.

Na zona Sul, a situação também é crítica. O vereador Deolindo Moura cobrou ações imediatas da SDU Sul, destacando o acúmulo de lixo em praças públicas, incluindo um ponto emblemático:
"Acho que é um verdadeiro absurdo a gente ter ainda pessoas, em pleno seculo XXI, que jogam o lixo em uma praça, no caso na praça principal, e nós ja solicitamos ao superintendente da SDU Sul para que ele fizesse o recolhimento daquele lixo que está em frente à Igreja de Santa Luzia e à clínica de Santa Luzia, um local médico, e ali na praça principal, da Bíblia, na região do Promorar. Nós esperamos que ele possa recolher, ainda essa semana, esse lixo, porque já fazem duas semanas que estamos solicitando que ele faça esse recolhimento", disse.
Enquanto isso, o vereador Fernando Lima denunciou no dia 14 de maio, por meio de suas redes sociais, a contratação direta feita pela Prefeitura de Teresina no valor de R$ 53 milhões para a coleta de lixo na capital, sem processo licitatório.
Fernando também divulgou imagens exclusivas de caminhões e equipamentos que, segundo ele, pertencem à empresa que poderá ser contratada, e que já estariam em operação no pátio da organização.
“Transparência e fiscalização são compromissos do nosso mandato. Não podemos permitir que contratos dessa magnitude sejam firmados na situação que o município se encontra segundo o prefeito Silvio Mendes”, destacou o vereador.
Transporte em Colapso: Sem Ônibus, Sem Solução
No dia 12 de maio, a cidade amanheceu sem ônibus nas ruas. A paralisação, confirmada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Piauí (Sintetro-PI), foi a consequência direta do fracasso nas negociações entre a categoria e a Prefeitura. Não houve acordo, não houve proposta, não houve sequer uma tentativa eficaz de diálogo. E como tem sido comum nessa gestão, o silêncio administrativo falou mais alto que qualquer coletiva de imprensa improvisada.

Em vídeo publicado nas redes sociais no domingo (11/05), o presidente do Sintetro Piauí, Antônio Cardoso, lamentou a falta de avanços nas negociações. “Infelizmente, na próxima segunda-feira, a greve vai se iniciar. Se iniciaram movimentos na sexta-feira e, infelizmente, não tivemos nenhum resultado positivo. O que a gente esperava era uma proposta concreta para ser discutida com a categoria e, assim, deliberar se manteríamos o estado de greve ou partiríamos para a paralisação”, declarou.
É irônico (e trágico) observar que uma cidade do porte de Teresina, capital de Estado, ainda trate seu transporte coletivo como um fardo e não como política pública essencial. Cinco meses se passaram e seguimos sem planos, sem metas, sem gestão. A pergunta que se impõe é simples: até quando Teresina vai aceitar a falência do seu transporte como algo inevitável?
Após uma reunião no Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (TRT-22), chegou o fim da greve dos motoristas e cobradores do transporte público de Teresina no dia 14 de maio.

Durante a paralisação, os trabalhadores reivindicavam um reajuste de 13% nos salários, além de melhorias nos benefícios, como vale-alimentação de R$ 850 e auxílio-saúde de R$ 130. Hoje, o salário médio da categoria gira em torno de R$ 2.200.
Além disso, um caso alarmante de possível improbidade administrativa e prevaricação causou forte repercussão na Prefeitura de Teresina. O Ministério Público Federal no Piauí (MPF-PI) recebeu denúncia minuciosa sobre graves irregularidades no Pregão Eletrônico nº 019/2023, destinado à contratação de serviços de transporte escolar para a rede municipal de ensino, comprometendo diretamente o acesso à educação de milhares de estudantes vulneráveis que também afeta a atual gestão.
Centro em Agonia e Carnaval cancelado
O Centro de Teresina vive uma crise existencial. Outrora vibrante, ponto de encontro, hoje se debate entre o abandono do poder público e a resistência criativa de quem, por teimosia ou amor, ainda acredita em suas calçadas rachadas.
Nos últimos anos, a paisagem mudou drasticamente. Bancas que vendiam jornal agora servem de abrigo improvisado. Prédios comerciais que antes geravam fluxo e renda estão lacrados, cobertos por pichações ou invadidos por um silêncio melancólico. O que restou? Lojas fechadas, vitrines empoeiradas e o avanço de uma população em situação de rua, que ocupa espaços vazios.

No meio do abandono, uma juventude feliz e volumosa apareceu em vídeos e fotos, dançando, rindo, ocupando as ruas do Centro com cerveja na mão e música nas caixas.
O exemplo mais recente dessa fagulha de esperança veio no último dia 15 de maio, com a inauguração do “Seu Javas Bar”, empreendimento do arquiteto e empresário Fábio Nery. Ele e os sócios já operavam uma hamburgueria no local, que deu tão certo que virou anexo de si mesma. O bar, que fica ao lado, se somou ao movimento de ocupação espontânea.
A crítica sobre atendimento, bebida quente e fila no banheiro a gente deixa para o X (antigo Twitter). O que importa aqui é outra coisa: quem revitaliza o Centro de Teresina não é a Prefeitura. É o povo.

O surgimento de locais como a Casa Barro e o próprio Seu Javas reacendeu o debate nas redes sobre identidade, memória urbana e economia criativa.
O problema é que os projetos de revitalização sempre ficaram no papel, quando chegaram a existir. A atual gestão, por sua vez, até agora não demonstrou nenhum interesse público no tema. Nenhuma proposta robusta, nenhuma escuta com os empreendedores locais, nenhum plano.
Nem mesmo a maior festa popular do Brasil escapou da tesoura do “choque de gestão” da Prefeitura. Em 2025, Teresina ficou sem Carnaval e sem Corso, após a administração municipal anunciar que não haveria “investimentos públicos discricionários” nas festividades. A justificativa oficial? Ajustes no orçamento e a necessidade de priorizar áreas essenciais, aquelas mesmas que seguem enfrentando caos, sucateamento e promessas não cumpridas.

Enquanto a população esperava confete e serpentina, recebeu apenas o velho discurso da contenção de despesas e um pacote de cortes que, curiosamente, não trouxe melhorias nem na saúde, nem na educação, tampouco na limpeza urbana. O Carnaval foi cancelado, mas a folia dos contratos milionários emergenciais e das decisões questionáveis segue firme nos bastidores da burocracia.
Águas de Teresina: Tarifas Altas e CPI Apagada
Basta dar uma volta por Teresina para notar: as crateras no asfalto entregam por onde a Águas de Teresina passou. A concessionária, que chegou com a promessa de modernização, universalização e tarifas “justas”, hoje é sinônimo de obra mal feita, buraco mal tapado, vazamento reincidente e fatura que chega antes mesmo da água.
No dia 11 de março, o prefeito Silvio Mendes apareceu em cena para anunciar um novo “acordo” com a empresa: a cobrança da taxa de esgoto passaria de 100% para 80% sobre a conta de água. Uma redução? Sim, no papel. Mas, na prática, a conta continua salgada, especialmente para quem mal tem água saindo da torneira. E para os mais desacistidos? A promessa é de isenção para beneficiários do CadÚnico, o que, de novo, soa bem bonito na coletiva, mas esbarra em uma burocracia que muitos sequer conseguem acessar. Resultado: a população continua pagando caro por um serviço que não chega.

Diante do caos, criou-se a CPI da Águas de Teresina. A primeira reunião oficial ocorreu no dia 21 de maio, quando o presidente da comissão, vereador Petrus Evelyn, diz que a população está refém de uma empresa que cobra caro, não entrega e ainda destrói o que encontra pela frente — asfalto, calçadas, paciência.
Na sua estreia investigativa, a comissão definiu os primeiros nomes a depor. Estão na lista: ex e atuais presidentes da Arsete, engenheiros, técnicos e até o ministro Wellington Dias, além da representante da própria Águas de Teresina, Carolina Serafim. Um bom elenco.
Confira os primeiros convidados a depor na CPI:
- Edvaldo Marques, ex-presidente da Arsete
- Edson Melo, atual presidente da Arsete
- Laércio Nascimento, engenheiro e técnico da Arsete
- Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento Social
- Carolina Serafim, representante da Águas de Teresina
A missão da CPI é ambiciosa: averiguar se a empresa cumpre as cláusulas contratuais, se os investimentos prometidos foram realizados e se a cobrança da tarifa é regular. Tudo muito bonito. Mas, para além dos discursos inflamados e do rodízio de depoentes, a verdade é que até agora, a CPI fez mais barulho que impacto real.

A população decidiu não esperar sentada. Lideranças comunitárias, moradores e representantes da sociedade civil vêm se articulando por meio do Projeto Gota D’Água, uma iniciativa que já percorreu todas as zonas da cidade com o objetivo de discutir a atuação da concessionária Águas de Teresina e os impactos do Plano Municipal de Saneamento Básico.
A primeira reunião aconteceu em 15 de março, no Auditório do CETI Raldir Cavalcante, na zona Sudeste, reunindo lideranças e membros da imprensa. O coordenador do projeto, Ricardo Campos, foi direto:

Saúde em Crise
Se o sistema de saúde de Teresina fosse um paciente, já estaria na UTI, respirando por aparelhos e à espera de um milagre ou, quem sabe, de um repasse da Prefeitura. Em abril de 2025, o Hospital São Marcos, referência no tratamento oncológico no estado, emitiu um alerta gravíssimo: estava paralisando parte dos atendimentos por absoluta falta de medicamentos. O motivo? Um atraso de 19 meses nos repasses contratuais da Prefeitura de Teresina.

Os números são assustadores. De janeiro até o momento do anúncio, o hospital realizou mais de 18 mil consultas oncológicas, 11 mil sessões de quimioterapia, 850 cirurgias de alta complexidade, além de centenas de internações pediátricas e adultas. E mesmo com todo esse volume, o São Marcos operava com repasses que não vinham da Prefeitura, mas sim de recursos federais e estaduais.
Foi só no dia 7 de maio que o hospital anunciou a retomada dos tratamentos, após quase duas semanas de paralisação e com mais de 1.300 pacientes impactados. Segundo o diretor técnico, Dr. Marcelo Martins, houve avanços nas negociações com a Prefeitura. Mas o que foi perdido nesse tempo? Quantos diagnósticos foram adiados? Quantas dores não foram tratadas? A saúde pública em Teresina vive, literalmente, no fio do soro.

As Contas Não Fecham
Cinco meses se passaram desde que Silvio Mendes reassumiu o comando da cidade, e os sinais de desajuste fiscal já bateram à porta com a delicadeza de um cobrador no final do mês: contratos emergenciais suspeitos, atrasos em repasses essenciais e promessas que evaporam no ar como as verbas da saúde e da limpeza pública.
A matemática não fecha. De um lado, o município diz estar comprometido com responsabilidade fiscal. Do outro, os hospitais pedem socorro, os professores aguardam estrutura, e o transporte público afunda em dívidas e greves. Tudo isso sob o olhar silencioso de uma gestão que prefere fazer contas de cabeça (baixa).
Enquanto isso, a população continua pagando, no imposto, no transporte alternativo, na farmácia popular, no poço artesiano improvisado no quintal. Porque em Teresina, quando as contas da Prefeitura não fecham, é o contribuinte que fica no prejuízo.

Conclusão: Avaliação e Perspectivas
Com discursos ancorados no passado e desculpas embaladas em comparações com gestões anteriores, a administração atual tem falhado justamente onde prometia eficiência. A cidade está à deriva em áreas vitais: saúde, transporte, limpeza, segurança e infraestrutura. A imagem vendida na campanha, de um gestor experiente, foi substituída por uma presença apática, distante, muitas vezes alheia ao caos cotidiano vivido pela população.
Politicamente, o prefeito mantém um silêncio estratégico que incomoda. A ausência de uma comunicação ativa com o povo e a visível falta de escuta ao clamor popular acentuam o abismo entre a gestão e as reais necessidades da cidade.